19 abril 2007

Como nos tempos de Martha Rocha

Candidatas nervosas, mães mais ainda, torcida enlouquecida... O que rolou fora do palco do Miss Brasil 2007 mostra que nada mudou no concurso de beleza que fez tanto sucesso em décadas passadas

POR VALMIR MORATELLI, COLABOROU: LIVIA ROZENBRAH

Concurso de miss continua sendo concurso de miss. Os bastidores do Miss Brasil 2007, realizado na noite de sábado, 14, na casa de espetáculos Vivo Rio, no Rio de Janeiro, comprovam que o evento, que reuniu teoricamente as 27 mulheres mais bonitas do país - garotas entre 18 e 25 anos, cada uma representando um estado da União -, ainda lembra a Idade da Pedra. Derrotadas em fúria, mãe de miss roubando a cena, clima de revolta com o resultado, desfiles e coreografias de gosto discutível, torcida afetada e enlouquecida. Tudo estava lá. Faltaram apenas os maiôs Catalina, que vestiam as beldades do passado.

O dia decisivo na vida dessas meninas, que disputavam o direito de representar o país no concurso Miss Universo, que acontecerá em 28 de maio, no México, começou agitado, com ensaios, testes de maquiagem e prova final de roupas. A chaperone - ou "babá" de miss - Bertini Mota, de 71 anos, há 13 nessa função, estava atenta a tudo e a todas. "Como as meninas estão sem a família aqui, sou a mãe delas durante toda a preparação para o concurso. Dou bronca e colo", diz Bertini, que foi Miss Alagoas há 51 anos e conta com uma equipe formada por dez seguranças para conter o rebanho de beldades, evitando qualquer escapulida ou assédio dos fãs mais afoitos. Segundo comentários de bastidores, coube a Bertini tentar controlar uma rebelião das candidatas, que ameaçaram armar um superprotesto coletivo por causa do resultado, logo após a coroação da representante de Minas Gerais, Natália Guimarães, a grande vencedora. Para elas, aquilo era a confirmação dos boatos que correram a semana inteira de que a representante de Minas estava lá para ganhar. Pelo jeito, a "babá" foi feliz na empreitada, já que não aconteceu nenhuma manifestação pública das candidatas no coquetel realizado depois da divulgação do resultado. As rebeladas simplesmente não compareceram ao evento derradeiro. Das 27, cerca de sete participaram dessa confraternização.

MEDO DAS PALAVRAS
As candidatas almoçam, jantam e dormem em duplas, respeitando a ordem alfabética dos estados: Acre com Alagoas, Amapá com Amazonas, e assim por diante. Como são em número ímpar, a de Tocantins fica sozinha. "Tenho um quarto só para mim", comemorava ela, que viu o mar pela primeira vez nessa visita ao Rio. Nas refeições, nada de dieta de modelo. Afinal, acredita-se que miss é miss e modelo é modelo. Arroz, feijão, macarrão e doce são distribuídos à vontade. Raphaela Benevides, do Ceará, era uma das que não dispensavam nada. À noite, ao desfilar de maiô, ficou mais do que claro que ela é do tipo "boa de garfo".

Durante toda a tarde de sábado, as candidatas treinaram para o momento que consideram o mais tenso da noite: a entrevista. As perguntas são feitas ao vivo, sem que as moças tenham qualquer conhecimento prévio delas. Mesmo assim, as misses tentam se antecipar aos jurados, encarregados de entrevistá-las. Rafaela Studart, do Distrito Federal, chegou a ligar para a mãe pedindo ajuda. "O que respondo se me perguntarem sobre política?", queria saber ela. Todas tinham colas de questões de anos anteriores. Aiana Soares, representante do Rio de Janeiro, repetia em voz alta uma resposta que, acreditava, poderia se encaixar perfeitamente no discurso de uma miss, qualquer que fosse a pergunta: "É uma honra poder representar o país e ser um referencial de beleza". Momentos antes de voltar ao palco para ser entrevistada, ela recorreu de novo à cola: "Me deu branco", confessou Aiana, aflita. Juliana Simon, do Mato Grosso, teve que responder se achava mais importante ser uma miss inteligente ou carismática. Ela ficou com a segunda opção e alguém da platéia não perdoou: "Ela fala isso porque não é inteligente". A eleita da noite, a miss Minas Gerais, elogiou o governador de seu estado, Aécio Neves, na resposta à pergunta de cunho político. Uma das torcidas rivais também não perdoou e gritou em coro: "Comeu, comeu!"

As torcidas, aliás, fizeram um show à parte. Elas vaiavam desafetos e brindavam suas favoritas com gritos de "Vai ser bonita lá em casa!", "Gostosa!" ou "Poderosa!" O comportamento da candidata de São Paulo, Sabrina Rhoden, que reclamava de tudo - de ter que dividir o espelho com as colegas a participar de aulas de etiqueta, oferecidas pela organização do evento durante a semana de preparação -, deve ter chegado ao conhecimento dos torcedores das demais candidatas. O público elegeu a moça como a mais antipática. Sabrina, sempre com ar de quem estava entediada com tudo aquilo, foi vaiada a cada entrada no palco. "Não entendi as vaias. Deve ser porque eu não trouxe caravana", tentava se explicar.

O dinheiro sumiu

Entre as candidatas, algumas coisas pareciam tendência e eram usadas pela maioria delas: unhas postiças, apliques de cabelo e gel nas pernas para disfarçar celulite. Todas negam ter silicone, mas são adeptas do sutiã com enchimento. E usam o que for preciso para disfarçar imperfeições. A gaúcha Carolina Prates, por exemplo, passou pó-de-arroz para disfarçar a espinha na testa. A baiana Renata Marzolla, após ser eliminada, desabafou: "Eu sabia! Quando virei de costas e viram minha bunda, pensei: babou (acabou, por causa da celulite)!" Aquela parecia não ser mesmo a noite da baiana. Com herpes no lábio superior, ela teve que caprichar no gloss. "Isso foi praga da outra!", esbravejava ela, referindo-se à rival Iasmim Assis, segunda colocada no concurso estadual. Ainda de bobes na cabeça, a sergipana Paloma Melo deu pela falta de dinheiro em sua bolsa momentos antes de entrar em cena. "Sumiram 300 reais! Três notas de 50 e três de 10!", dizia, chorosa. Uma colega a consolou: "Fica tranqüila. Três notas de 50 e três de 10 são 180 reais". E ela: "Ah, é? Que bom, então!"

FALTA DE COMUNICAÇÃO

O americano Scott Grossman, que fez a coreografia do filme Miss Simpatia, com Sandra Bullock, que satiriza os concursos de beleza, e é também coreógrafo oficial do Miss Universo, coordenou os ensaios. A única frase que ele dizia em português era: "Mais um vez". Como a metade das candidatas não sabia inglês, a falta de comunicação foi geral. "O que ele tanto grita?", queria saber a maranhense Maiara Bentivi. "Tem certeza de que vocês estão entendendo o que estou pedindo?", berrava o coreógrafo, irritado com os erros das jovens.

Durante o concurso propriamente dito, as candidatas ficavam furiosas conforme eram eliminadas. A potiguar Kalline Freire saiu pisando forte: "Que palhaçada isso tudo!" Assim que foram chamadas as 15 finalistas, e a paraibana Roberta Guerra, uma das favoritas, não estava entre elas, seus parentes se retiraram do local. Ao final, a tia da moça berrava na porta do Vivo Rio: "Todo mundo sabia que a mineira ia levar. Ela tinha até maquiador exclusivo". Corria ainda nos bastidores do concurso que Nayla Micherif, Miss Brasil 1997 e 55a colocada no Miss Universo daquele mesmo ano, que acumula as funções de sócia e apresentadora do evento, transmitido ao vivo pela TV Bandeirantes, é quem define a vencedora. Para que sua eleita não corra nenhum risco, ela eliminaria as candidatas mais fortes já no início da disputa. A organização, claro, nega tudo isso, lembrando que todo o processo de votação dos jurados tem a auditoria da empresa BDO Trevisan, do Rio de Janeiro.

A mineira Natália Guimarães, a nova Miss Brasil, que freqüenta o mesmo salão de beleza de Nayla em Belo Horizonte, não se abateu com a ira alheia. Ela, que já trabalhou como modelo em Nova York, cursa arquitetura na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, namora há três anos, faz drenagem linfática regularmente, reza antes de dormir e adora comer pão de queijo. "Nunca pensei em ser miss. Foi minha mãe que insistiu", contou ela, enquanto Eliane Ferreira, a mãe, ajeitava a coroa e o manto de veludo vermelho que a nova Miss Brasil recebeu. "Existe um preconceito em relação a esse concurso. As pessoas acham brega. Mas, com a vitória da minha filha, talvez isso mude", disse Eliane, que tentou ser miss quando jovem, mas nunca conseguiu. "Agora realizei o meu sonho."

http://revistaquem.globo.com/

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