02 junho 2012

Falta de transparência, uma praga endêmica no resultado dos concursos de beleza.



Author:
BBMB
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Date Posted: 22:12:38 06/01/12 Fri

O texto abaixo foi remetido ao BBMB pelo seu autor, Silveira/PEL


Em julho de 1930, no salão de festas do edifício “A Noite”, era eleita no Rio de Janeiro a gaúcha Yolanda Pereira como nossa Miss Brasil. Em ata assinada pelos componentes da comissão julgadora e publicada no jornal A Noite, constava o nome de todas as concorrentes e de seus respectivos estados, além de registrar as ausências das representantes eleitas de Minas Gerais, por não ter chegado a tempo ao Rio de Janeiro, e da Miss Paraíba, por enferma. Também consta a nominata dos quatorze integrantes da comissão julgadora, um de cada unidade da federação representada nesse certame. Registra ainda que, em primeira votação, Miss RS obteve 5 votos, Miss SP também 5 votos, e as misses Espírito Santo, Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco e Maranhão um voto cada uma. Que, tendo havido empate nessa primeira votação, procedeu-se a novo escrutínio, com o seguinte resultado: Miss RS, 9 votos e Miss SP 6 votos.

Nada mais simples, nada mais transparente, ainda que pudéssemos colocar em dúvida, nos dias de hoje, a adoção dessa representatividade por estado, porque talvez viesse atiçar os pruridos provincianos de alguns desses jurados, como pode ter ocorrido, quem sabe, nessa primeira votação, mas sem qualquer prejuízo para o desfecho do concurso, afinal Yolanda Pereira terminou sendo legitimamente eleita com maioria de votos dentre os integrantes da comissão julgadora.

Com relação à etapa internacional desse certame, assim consta em sua respectiva ata: “As duas da manhã do dia oito de setembro de 1930, em uma sala do Copacabana Palace, na cidade do Rio de Janeiro, reuniram-se sob a presidência do Conde Ernesto Pereira Carneiro, os signatários desta acta, escolhidos pela “A Noite” para constituir o jury e deliberar sobre os prêmios a serem conferidos às concorrentes ao título de “Miss Universo” e às demais classificadas”... A seguir, é transcrita a nominata de cada representante dos países participantes, em número de 25, e que foram: Argentina, Antilhas, Alemanha, Áustria, Brasil, Bélgica, Bulgária, Chile, Cuba, Estados Unidos, França, Grécia, Espanha, Holanda, Hungria, Inglaterra, Itália, Líbano, Peru, Portugal, Romênia, Rússia, Tchecoslováquia, Turquia e Iugoslávia. Quanto ao procedimento da comissão julgadora constituída de dois brasileiros e de mais nove jurados estrangeiros, dentre outras orientações práticas, constava em ata o seguinte: “Resolveu-se que cada membro do jury, votasse, classificando de zero a três, as três classes distintas: cabeça, corpo e predicados de elegância, que definissem a individualidade da candidata”. E assim justifica a adoção desse novo sistema de notas: “Esse critério tem sido adoptado nos últimos concursos já realizados na Europa. Apurados os votos...(diria eu, os pontos) chegou-se ao seguinte resultado: primeiro, Miss Brasil, senhorita Yolanda Pereira, com 96 pontos; Miss Portugal, senhorita Fernanda Gonçalves, e Miss Grécia, senhorita Alice Diplarakou, com 83 votos cada uma, “Miss Estados Unidos, senhorita Beatrice Lee, com 78 votos”. E não ficou apenas nestes dados a ata assinada por todos os integrantes da comissão julgadora...(1)

Não é por ter sido vencedora uma brasileira, nem por ser procedente de meu estado e de minha cidade natal que vou deixar de dizer que preferia muito mais que constasse nessa ata, não o número de pontos obtidos por Yolanda Pereira, mas o número de membros da comissão julgadora que optaram por ela, para saber se, efetivamente, ela foi a preferida pela maioria da comissão julgadora. Já começa no Brasil, nesta oportunidade, em pleno certame internacional aqui realizado, e por pura imitação, a praga desse sistema de notas na definição da vencedora dos certames de beleza, critério que tantas injustiças sabidas tem propiciado, tanto no Miss Universo, caso de Leila Schuster, como no Miss Brasil, caso ocorrido no ano em que venceu Maria Raquel de Andrade, em prejuízo da matogrossense, e que foi retumbantemente denunciado nas páginas de O Cruzeiro, sem falar no Miss Pernambuco do ano passado. Isto, sem falar nas injustiças que frequentemente ocorrem nos mais diversos certames, e que são acobertadas por essa total falta de transparência, que é o procedimento constante e comum da maioria dos certames de beleza em todas as instâncias, desde as municipais, as estaduais, nacionais, até as internacionais.

Depois do Miss Brasil de 1930, que eu saiba, ter sido revelado com total clareza o resultado de outro Miss Brasil, só no vencido por Emília Correia Lima, que ficamos sabendo o número de votos obtido por ela,e que não recordo no momento, com a amazonense, a paulista e a fluminense em segundo lugar, estas três com o mesmo número de votos e a representante do Pará em quinto que, se consigo lembrar, obteve o voto de um jurado. E registro com a maior satisfação que, no penúltimo Miss Mundo Brasil vieram a público as planilhas com os pontos de cada jurado, pelo que pudemos constatar que, neste certame, apesar das distorções que esse critério de pontuação propicia para juízes desonestos, que neste não houve a maracutaia de alguns poucos jurados promoverem a derrota da candidata da maioria, pelos votos exageradamente baixos conferidos à preferida da maioria.

No ano passado, quando soubemos do ocorrido no Miss Pernambuco, tive ocasião de discorrer em tese contra essa prática rotineira e viciada de atribuição de pontos, que não consegue impedir que poucos juízes mal intencionados consigam impedir que a preferida da maioria dos jurados seja sagrada a vencedora. Isto é por demais sabido e, contra fatos concretos, não existem argumentos que os contestem.

Afora o Miss Universo, que costuma ou costumava publicar na hora as notas de cada jurado a cada semifinalista e o Miss Brasil Universo da era Sílvio Santos, onde os jurados conferiam de público as suas notas, o que viabilizou que tomássemos conhecimento de verdadeiras aberrações, aí acima está o pobre histórico de concursos de beleza com maior transparência no Brasil, e os poucos exemplos de concursos onde foi utilizado o sistema do voto uninominal de cada jurado à sua preferida, que não impede que este, por incompetência, escolha mal, mas que não permite que uma minoria de jurados impeça a vitória da candidata preferida da maioria da comissão julgadora.

Escrevo tudo isto por causa de mais uma celeuma no recente Miss Pernambuco, desta vez com a vitória da candidata que talvez estivesse em terceiro lugar na preferência dos que acompanharam por fotos o transcorrer deste certame. Nem quero entrar no mérito se houve, ou não, injustiça também este ano. Só quero dizer que muitas destas especulações poderiam ser postas por terra, se houvesse mais transparência na publicação do resultado desse concurso. Pelo menos poderíamos constatar a inexistência de trambiques de uns poucos em prejuízo das duas favoritas e em favor da vencedora. Poderíamos, em suma, constatar se ela foi eleita, ou não, pelo voto da maioria.

E eu pergunto, por que estes concursos de beleza não são mais transparentes? Será por pouco caso em relação aos seus seguidores? Será que nós não merecemos este tipo de satisfação? Ou será por incompetência de seus organizadores ou por mero desleixo? Ou será mesmo para acobertar tantas maracutaias neles perpetradas e que, assim, a maioria delas não chegam ao nosso conhecimento? Para concursos honestos, o que custa publicar as planilhas com as notas de cada jurado,sem precisar identificá-los, como ocorreu apenas no penúltimo Miss Mundo Brasil? E eu pergunto pela enésima vez, por que não inovar, substituindo esse viciado critério de notas pelo muito mais enxuto e difícil de manobras espúrias do voto direto de cada jurado em sua preferida?

E para os seguidores dos concursos de beleza eu também pergunto: Porque, em vez de terminarmos quem sabe, transformando a atual Miss Pernambuco na bola da vez deste Miss Brasil, esquecendo-nos de que ela não tem culpa de ter sido a escolhida, que ela é apenas a ponta do iceberg de um sistema viciado, por que, em vez de ficarmos criando as mais variadas teorias das conspirações para justificar determinadas escolhas que não nos agradam, por que não fazemos, por exemplo, um abaixo assinado a todas as organizações dos certames nacionais de beleza solicitando destas maior transparência em seus certames, e a adoção de critérios de votação dos jurados que evitem as sabidas distorções que, apesar dos sigilos, tem chegado ao nosso conhecimento?

Mas eu tenho certeza que, mais uma vez, estarei clamando no deserto, em meio à indiferença geral. Tudo há de continuar como até aqui tem sido, talvez por mais oitentas anos, que é o tempo em que este nefasto critério de notas foi adotado no Brasil, com a falta de transparência inerente a esse critério de eleição de nossas misses. E não é por acaso que tão poucos ainda se interessem por concursos de beleza. Tem estes que mudar para melhor, e nós, seus seguidores, também.

Silveira/Pel
Professor universitário aposentado

(1) As informações sobre o Miss Brasil e Miss Universo 1930 realizados aqui no Brasil foram extraídos do fascículo “Pelotas Memória – Especial 1992”.

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